Ogan Pai ou Ogan Estrela?
Hoje observo, sobretudo no Sudeste, um acentuado processo de degradação no que concerne a história e importância dos Ogans, nas Sociedades Religiosas.
Muitas pessoas me pedem para falar um pouco sobre postura dos Ogans e o verdadeiro papel dos mesmos. Quando os indago a razão desse interesse, em sua maioria afirmam estarem descontentes com seus próprios Ogans, com a forma a qual se manifestam nas Sociedades Religiosas.
Perguntei a essas pessoas quais as atitudes motivaram todo esse descontentamento e, para minha surpresa (ou não), a resposta mais incidente foi justamente a “falta de atitude” dos Ogans.
Sacerdotes com os quais conversei, relataram que de alguns anos para cá, os Ogans simplesmente deixaram de serem Ogans. Comentaram que no passado, tinha no Ogan, a figura de uma pessoa que não somente cantava ou tocava para os Òrìsàs, mas sim, principalmente, Sacerdotes que zelavam pelos Deuses, pela casa e pelos seus respectivos sacerdotes.
Diante desses comentários refleti sobre o tema e sobre minhas lembranças mais remotas tangentes a figura dos Ogans.
Deixando de lado as memórias relacionadas a música, que obviamente sempre me despertou de forma latente, lembrei-me de alguns fatos, que me fizeram ter tanta admiração pela figura do “Ogan”.
Lembrei-me de uma ocasião, na casa de minha avó Célia em Salvador. Eu deveria ter uns 9 ou 10 anos no máximo. Na semana da festa (não lembro qual), um grupo de Ogans saiu logo pela manhã para colher folhas, mesmo eu sem ser iniciado, acabei indo, pois minha avó Célia, mandou que eu fosse acompanhá-los.
Saímos da roça, em Parípe e, fomos à uma mata próxima, voltamos com uma infinidade de folhas que seriam usadas para diversas finalidades. Ao chegar à roça, o grupo fora dividido, alguns foram “quinar” as folhas, outro foi podar umas árvores que haviam passado a cumeeira e alguns foram trocar umas telhas que quebraram.
No outro dia, após o Oro, aqueles mesmos Ogans estavam divididos, alguns desossando o Obuko, outros tratando de encourar os atabaques, outros levando algumas obrigações para a mata, etc.
Engraçado que esses mesmos Ogans, eram virtuosos no barracão, cantavam, tocavam, etc. Todos eles, sem exceção, eram chamados por todos de “Pai”, “Meu Pai Ogan”. À época, pensei que a razão que conferia aos mesmos o “status” e respeito para serem chamados de “PAI”, seria o fato de serem Ogans. Afinal Ogan é Pai, não?. Com o passar do tempo, descobri que estava errado.
Aqueles Pais, não eram respeitados dessa forma por serem Ogans, mas sim, por aquilo que eles faziam. Afinal, por exemplo, uma antiga egbon-mi estava chamando de pai, um novo Ogan não por ele ser Ogan, mas pelo fato dele ter arrumado a telha do quarto do santo dela, zelando pela divindade que lhe rege a cabeça, ou por ter pego as folhas que foram utilizadas para seu Òrìsà, para seu banho.
Quantas vezes ouvi antigas egbon-mi dizerem: Meu Pai Ogan “fulano de tal” cortava para o meu santo! Meu Pai “fulano de tal” limpou o Obuko da minha feitura….Fez meu “prefuré”.
Corrobora a ideia de o Ogan ser Pai não por ser Ogan, mas por aquilo que ele faz, diversas histórias que cercam os maiores Ogans da Bahia.
Em uma entrevista, Mãe Cidália de Iroko comenta que: “Poxa, meu Pai Vadinho, como ele cuidava da roça, você já prestou atenção pra ver que o barracão do Gantois não tem muro pra cercar ele? Que é na rua?
Pois é, Vadinho, Pai Preto, Amorzinho, eles cuidavam da roça, ninguém se metia a besta lá não, nem precisava ter muro”.
Na pequena passagem comentada por mãe Cidália, ela não fala da virtuosidade de Vadinho em ser o maior dobrador de Hun da Bahia, ou do conhecimento da língua Yoruba de Amorzinho, mas sim, o fato deles salvaguardarem o terreiro do Gantois.
Há relatos que discorrem que a construção do antigo barracão do Gantois, ocorreu com a ajuda, não financeira, mas braçal dos Ogans, que juntos com seu Álvaro (marido de Mãe Menininha), levantaram aquelas paredes.
Vejamos, por exemplo, a importância Social dos Obas do Opo Afonjá, Ogans que mais que sacerdotes espirituais, tiveram e têm a missão de zelar pela Sociedade Civil daquele Candomblé, conferindo-lhes o status de Pai.
Outro exemplo, louvável, refere-se ao venerável Antônio Agnelo Pereira, saudoso Pai Elemoso da Casa Branca do Engenho Velho (que merece um post sobre sua história). O Elemoso Agnelo foi de importância sem igual, para que o Ile Ase Iya Naso Oka tivesse novamente sobre sua posse, o terreno que hoje fica o barco de Ósun, mas que estava sendo explorado por um posto de gasolina.
Mas por que então, há o processo de degradação?
Em parte, isso se deve aos próprios Babalorisas e Iyalorisas que conferiram aos Ogans (nesse caso, aos que cantam e tocam) um status de “estrela” e não de Ogans. Quando aparece em uma casa, um Ogan que toca ou canta bem, ele passa a ser estrela naquela casa, estrela essa como já dito, conferida pelo seu sacerdote.
Nesse caso, para que ele vai aprender como tirar as costelas do Obuko, ou que folha pegar para o seu santo?
Estrela não faz isso! Os Ogans estrelas, geralmente não conhecem seu Òrìsà, pois jamais deram Osé nele, os Ogans estrelas não sabem onde se costuma levar os ebós da sua casa, pois ele nunca fez isso. O maior trabalho desse tipo de Ogan é trocar fitas de Candomblé, não importa de quem, o importante é ter centenas de fitas, de diversas casas, afinal, para ele pouco importa a tradição de cânticos ou toques de sua casa, o que importa é calar o barracão, enunciando uma cantiga que somente ele conhece, geralmente sem nada ter haver com o seu Asè.
Nesse processo de enaltecimento do Ogan estrela, o Ogan de verdade, aquele que arruma o telhado, que limpa o bode, que pega a folha para onde vai? Ele vai para a igreja, buscar alguém que olhe e ore por ele, sendo que para esse, nos Candomblés não há espaço….
Como mudar? Como reverter esse processo de degradação quase que terminal que vivemos hoje? Fácil, os Babalorisas e Iyalorisas devem mudar de postura frente aos seus Ogans.
Devem principalmente, se libertarem.
Exemplifico, há casas em que há somente um Ogan que toca ou que canta!
Pronto se o Babalorisa não se libertar deste, será seu refém a vida inteira!
Ensine as crianças, elas serão os Pais da sua casa!
Não centralize, mesmo que tenha um Ogan que cante ou que toque na sua casa, incentive os novos (DA SUA CASA) a fazer o mesmo!
Ensine a importância de um Màrìwò desfiado, de como arriar os Asès do Obuko frente ao Òrìsà, a importância de conhecer e de como se colher as folhas dos Òrìsàs.
Converse com seus Ogans. Os Ogan precisam saber que Candomblé não é somente cantigas e atabaque e que o papel e função dos Ogans não se restringe a isso. Palestre aos seus filhos, retome as histórias de antigamente!
Aqui, deixo meus respeitos àqueles grandes Pais Ogans, que vão à mata retirar a folha do Igi Ope para transformar em mariwo, aqueles que sabem entregar um carrego, aqueles que consertam as telhas das casas dos Orisas, aqueles que podam as árvores das roças, que tiram as folhas, aqueles que lutam para a manutenção e defesa da sua casa, enfim, meu respeito aos Pais Ogans.
By Vinicius - via “Ìkóòdídé